Os olhos do país estão voltados para o Congresso Nacional, que debate temas polêmicos e que podem modificar vários aspectos da sociedade brasileira. Porém, deputados e senadores também estão às voltas com uma Emenda Constitucional que não chega a ser tão conhecida entre os brasileiros, mas que também lançará seus reflexos: a Emenda 86. O texto torna obrigatória a execução de suas emendas no Orçamento e muda o financiamento das ações e serviços públicos de saúde pela União.
A modificação no cálculo do piso da saúde foi uma resposta do governo federal ao pedido feito pelo Movimento Saúde +10, que propôs o destino de 10% da receita corrente bruta da União para a área. Porém os deputados constataram que a emenda aprovada pode fazer o oposto ao desejado: reduzir os recursos, pelo menos no curto prazo, e tornar imprevisível o montante a ser gasto anualmente.
Em sua coluna no jornal Valor Econômico, Ribamar Oliveira fala da articulação na criação de uma comissão especial para discutir novamente a proposta apresentada pelo Movimento Saúde +10
“Ressuscitamos o projeto ‘Saúde mais 10′, que já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça”, disse o deputado Osmar Terra (PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde, numa referência à proposta de emenda constitucional do deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP).
A PEC de Macris, cuja admissibilidade foi aprovada pela CCJ da Câmara no dia 16 de junho, prevê que a União destine 18,7% de sua Receita Corrente Líquida (RCL) à saúde. O percentual seria alcançado no prazo de cinco anos, partindo de 15% da RCL.
“Vamos fazer uma ampla discussão sobre a proposta na comissão especial que será criada pelo Cunha”, disse Terra. Assim, as pressões para que o governo Dilma Rousseff aumente os recursos para a saúde vão recomeçar.
Emenda aprovada neste ano pode reduzir recursos para a saúde
A mudança no cálculo do piso da saúde ocorreu como uma resposta do governo Dilma ao movimento “Saúde mais 10″, que propôs destinar 10% da receita corrente bruta da União para a área. A base governista no Senado incluiu, na proposta de emenda constitucional que tornava obrigatória a execução das emendas dos parlamentares ao Orçamento, a mudança no piso da saúde, que passou a corresponder a um percentual sobre a RCL da União. O objetivo era chegar a 15% da RCL em cinco anos.
O governo queria também que 50% dos recursos das emendas parlamentares fossem destinados à área e incluídos no piso. Revogou-se ainda as regras de cálculo do piso da União definidas na Lei Complementar 141. A proposta foi aprovada neste ano.
Os parlamentares sabem que o problema criado pela PEC 86 precisa ser resolvido com rapidez, pois no próximo ano os recursos mínimos da União para a área de saúde poderão ser menores que os deste ano por causa da mudança do cálculo do piso. Na verdade, a redução já aconteceria em 2015, mas o governo decidiu seguir as regras previstas na lei complementar 141 para o cálculo do montante mínimo a ser aplicado pela União, mesmo elas tendo sido revogadas pela Emenda Constitucional 86.
Dito de uma maneira mais direta: o governo federal vai aplicar neste ano em ações e serviços públicos de saúde o valor empenhado no ano passado, corrigido pela variação nominal do PIB, como determinava a Lei Complementar 141 antes de ter essas normas revogadas. Não há nada que obrigue o governo a fazer isso, pois existe um vácuo legal sobre o montante mínimo de aplicação da União em saúde neste ano. Este é um dos ingredientes da armadilha criada pelo Congresso.
No primeiro exercício financeiro subsequente ao da promulgação da emenda 86 (ou seja, em 2016), o mínimo a ser aplicado pela União em saúde será de 13,2% da RCL. Em 2017, será de 13,7%, de 14,1% em 2018, 14,5% em 2019 e 15% em 2020. O problema é que a receita corrente líquida da União caiu de 2013 para 2014 (veja o quadro abaixo). A razão disso foi o desaquecimento econômico registrado no ano passado, que reduziu drasticamente as receitas.
A expectativa dos técnicos é de que ocorra nova queda da RCL neste ano, por causa da recessão econômica. O Banco Central projeta uma retração do PIB de 1,1%. Com atividade econômica menor, a arrecadação também cai, o que reduz a RCL da União. Este é outro ingrediente da armadilha: toda vez que houver uma retração da atividade econômica, a receita vai cair e a aplicação mínima da União em saúde também cairá. O montante do piso será, portanto, imprevisível.
Se a nova regra estivesse em vigor em 2014, a União teria sido obrigada a destinar apenas R$ 84,7 bilhões para ações e serviços públicos de saúde (13,2% da RCL) e não os R$ 91,9 bilhões que efetivamente aplicou (seguindo a regra da Lei Complementar 141) – teria ocorrido uma redução de R$ 7,2 bilhões.
O relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2016, deputado Ricardo Teobaldo (PTB-PE), manifestou preocupação com o problema. “Não é seguro que o piso da saúde para 2016, calculado segundo a nova metodologia (da Emenda Constitucional 86), venha a equivaler, quando menos, ao que seria definido a partir da regra de apuração anterior (da Lei Complementar 141)”, diz Teobaldo no relatório. “Esse cenário poderia vir a agravar o financiamento da saúde, setor de notória carência, caracterizado por contemplar despesas de difícil compressão”, advertiu. (Texto: Ribamar Oliveira – Colunista Valor Econômico)
Ascom Sateal - Com Informações Valor Econômico