De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese há dois padrões de terceirização: um primeiro, dito reestruturante, visando a redução de custos por meio de determinantes tecnológicos e organizacionais, e um segundo padrão, chamado de predatório, predominante no Brasil, e que tem como principal característica a tentativa de reduzir custos por meio da exploração de relações precárias de trabalho. O Dieese define esse segundo padrão da seguinte maneira:
O padrão predatório [...] caracteriza-se pela redução de custos através da exploração de relações precárias de trabalho. Essa terceirização recorre a todas as principais formas de trabalho precário: a) subcontratação de mão de obra; b) contrato temporário; c) contratação de mão de obra por empreiteiras; d) trabalho a domicílio; e) trabalho por tempo parcial; f) trabalho sem registro em carteira.
Em pesquisa realizada sobre os desdobramentos do movimento de terceirização vivido no país, no período de 1985 a 2005, a partir de dados relativos ao estado de São Paulo, Márcio Pochmann constatou que, diversamente do que a teoria da Ciência da Administração sugere, a terceirização desenvolvida pelas empresas no Brasil não visou, inicialmente, à qualificação do produto, mas, essencialmente, a assegurar a própria sobrevivência empresarial, num contexto de quase estagnação econômica na década de 1980 e de ampla competição internacional desregulada, vinculada à “inserção subordinada e passiva da economia nacional à globalização”.
Na síntese de Pochmann, “(...) ao contrário da experiência dos países desenvolvidos, a terceirização no Brasil contém especificidades significativas. Na maior parte das vezes, a terceirização encontra-se associada ao ambiente persistente de semi-estagnação da economia nacional, de baixos investimentos, de diminuta incorporação de novas tecnologias, de abertura comercial e financeira e de desregulamentação da competição intercapitalista. Por conta disso, o sentido da terceirização vem se revelando um processo de reestruturação produtiva defensiva, mais caracterizada pela minimização de custos e adoção de estratégias empresariais de resistência (sobrevivência)”.
Esses dados históricos demonstram que a prática da terceirização foi incorporada à cultura empresarial brasileira, principalmente, como instrumento de redução do custo do trabalho, por constituir mecanismo que, por suas próprias características, já reduz a eficácia dos direitos sociais dos trabalhadores terceirizados. Vejamos as principais razões dessa redução protetiva:
a) ao excluir os trabalhadores da categoria profissional vinculada à sua atividade econômica, a terceirização de serviços frustra sua organização em torno do sindicato que representa seus reais interesses, minando-lhe a força de coalizão para negociar e conquistar a melhoria de suas condições sociais.
Com isso, esvazia-se a eficácia e a função social do direito coletivo à organização sindical (Constituição, art. 8º), à greve (art. 9º) e ao reconhecimento constitucional das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI).
Apesar de formalmente passíveis de gozo, esses direitos sofrem com o esvaziamento do seu conteúdo de sentido, pois, na condição de trabalhadores terceirizados, os obreiros sofrem grave déficit representativo no plano sindical. Nos acordos e convenções coletivas firmados com empresas ou sindicatos de empresas de terceirização, submetidas à lógica concorrencial do mercado de serviço, não se alcança o patamar de garantias conquistadas pelo sindicato vinculado à empresa principal e, o que é mais grave, o direito de greve fica profundamente prejudicado pela alta rotatividade no emprego.
b) submetido à lógica concorrencial do contrato interempresarial, o empregado terceirizado tem reduzido o patamar remuneratório (elemento inerente à terceirização) e tem aumentado o risco de inadimplemento, em face do condicionamento contratual.
Além de reduzir o poder negocial do grupo de trabalhadores para conquistar melhoria salarial, a terceirização ainda reduz o patamar salarial ao padrão ditado pelo mercado de serviço, reduzindo assim a eficácia do direito ao salário, como instrumento de promoção das necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família (Constituição, art. 7º, IV e VI); do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço como poupança voltada a satisfazer necessidades futuras (art. 7º, III); da pontualidade salarial como
imposição decorrente da natureza alimentar do salário (art. 7º, XI); da garantia de isonomia salarial, em face da potencial diferença remuneratória em relação a trabalhadores contratados diretamente pelo tomador, para o exercício das mesmas funções.
A mera vinculação formal do trabalhador a outra empresa, a prestadora, já inviabiliza a aferição e o gozo de equiparação salarial (CLT, art. 461) em relação a empregado da empresa tomadora que exerça a mesma atividade, criando-se um abismo que discrimina, por ato de poder do empreendedor. Formalmente, pode-se afirmar que o trabalhador terceirizado continua detentor desses direitos, mas, em substância, fica distanciado do seu pleno gozo.
c) na terceirização interna, assim considerada aquela praticada sob controle do tomador, a empresa prestadora não exerce domínio sobre os ambientes em que aloca seus empregados, os quais transitam no espaço de diversas empresas tomadoras.
Essa instabilidade espacial dificulta para a empresa empregadora a implementação de medidas de saúde e segurança no trabalho (art. 7º, XXII), em cada espaço de atuação, conforme suas condições específicas, o que reduz, por conseguinte, a garantia laboral de proteção à incolumidade física e mental do trabalhador.
Ao mesmo tempo, a instabilidade concorrencial do contrato de terceirização pressiona naturalmente para baixo o nível de investimento da empresa prestadora em medidas de saúde e segurança, prejudicando a eficácia do direito e fomentando o aumento de ocorrências de acidentes e adoecimentos profissionais.
Não se pode negar que, em tese, é possível exigir da empresa terceirizada a implementação das medidas de proteção à saúde e segurança no trabalho, mas, na prática, o cumprimento da norma é de difícil implementação e de difícil fiscalização (pela mobilidade da prestação do serviço), inviabilizando o pleno gozo do direito.
d) a instabilidade concorrencial do contrato de terceirização enseja a alta rotatividade contratual, esvaziando o ideal social de continuidade dos vínculos de emprego e de integração do trabalhador ao empreendimento principal.
Essa alta rotatividade contratual esvazia o direito de proteção à relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa (Constituição, art. 7º, I), pois o objetivo social da norma não reside no pagamento da indenização compensatória, mas no desestímulo à ruptura contratual.
Por conseguinte, também fica prejudicado em efetividade o direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (art. 7º, XXI) e o direito à aposentadoria dependente do tempo de contribuição (art. 7º, XXIV), na medida em que o trabalhador terceirizado se sujeita a contratações sucessivas e fragmentadas.
Por sua vez, a exclusão do trabalhador do espaço central da empresa principal corresponde a uma exclusão social e institucional que esvazia o vigor do direito à participação nos lucros e resultados (art. 7º, XI), em face da maior fragilidade patrimonial e da reduzida margem de lucro das empresas de terceirização.
Desintegrado da empresa tomadora, o trabalhador tem inviabilizada sua participação evolutiva numa carreira profissional vinculada às competências centrais da organização produtiva, que se isenta de contribuir com seu aperfeiçoamento profissional (art. 218, § 4º).
Também o direito ao gozo de férias anuais remuneradas (art. 7º, XVII) resta bastante prejudicado, em face da alta rotatividade contratual. No mercado de terceirização é usual a prática da vinculação indireta do trabalhador terceirizado à empresa tomadora, por meio de sucessivas empresas prestadoras de serviço e de sucessivos contratos de curta duração, o que dificulta ou inviabiliza a aquisição de direito às férias anuais remuneradas, prejudicando o gozo de um direito destinado à higiene mental e à integração familiar.
Esses direitos, apesar de formalmente garantidos também aos trabalhadores terceirizados, em relação a eles tornam-se rarefeitos. Tais exemplos ilustram a potencialidade danosa da terceirização sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores, sem considerar os prejuízos que advém de condutas empresariais de risco, progressivamente precarizadoras das relações de trabalho terceirizado, tais como os seguintes exemplos usualmente verificados no mercado da terceirização:
a) a contratação de empresa prestadora de serviço economicamente inidônea, sem aporte financeiro para garantir a satisfação dos direitos dos trabalhadores, ou o não pagamento do preço do serviço por desavença contratual entre as empresas, submetendo os trabalhadores a sucessivas rescisões contratuais prematuras, sem recebimento de direitos rescisórios, seja nas cidades ou no campo, incitando a judicialização de lides trabalhistas;
b) a contratação de serviços por preço inferior ao custo dos direitos dos trabalhadores, impondo a superexploração de produtividade do trabalho terceirizado e submetendo, com isso, os trabalhadores terceirados a jornadas extenuantes e a condições degradantes de trabalho (Código Penal, art. 149), para dar cumprimento ao objeto do contrato;
c) a rescisão dos contratos de emprego terceirizado por quebra da empresa prestadora de serviços, com a supressão de direitos rescisórios, tais como o aviso prévio indenizado e a indenização por dispensa injusta (multa de 40% sobre o FGTS, art. 10 do ADCT), como condição imposta pelo tomador, responsável subsidiário, para (re)admissão do trabalhador na nova empresa contratada para prestar o mesmo serviço;
d) a omissão do tomador em oferecer à empresa prestadora de serviço, na terceirização interna, as informações e infraestrutura adequadas para implementação de condições ambientais condizentes com as exigências de saúde e segurança no trabalho, isentando-se formalmente de qualquer responsabilidade perante os órgãos de fiscalização do trabalho etc. Tais condutas de risco reduzem a terceirização a instrumento de superexploração predatória do trabalho. Por isso, o trabalho análogo ao de escravo geralmente está associado à figura da terceirização.
Em análise das dez maiores operações de combate ao trabalho escravo realizadas no país, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos anos de 2010 a 2013, constata-se que, nessas operações, 84,3% em média dos trabalhadores submetidos a condições análogas a de escravo estavam subcontratados por interposta empresa, ou seja, eram terceirizados,
Segundo o levantamento do Departamento de Erradicação do Trabalho Escravo em relação aos dez maiores resgates em cada ano, entre 2010 e 2013, a cada 10 casos de trabalhadores em condição análoga à de escravos no Brasil de 8 a10 envolviam terceirizados. Foram resgatados 2.998 terceirizados contra 555 que tinham contratos diretos.
A exploração predatória do trabalho, com ou sem a presença de terceirização, consiste sempre em violação direta ao sistema de proteção social do trabalhador. No entanto, em face de sua potencialidade redutora da proteção social, em maior ou menor nível, a terceirização de serviços, quando praticada na atividade-fim, por si só viola a função social da empresa, configurando fraude contra a aplicação da legislação laboral, prática penalizada com a nulidade de pleno direito do contrato de terceirização, na forma do art. 9º da CLT.
Fonte: Ministério Público do Trabalho – Terceirização de atividade fim na silvicultura e outros setores