AGU considera inconstitucional regra que permite capital estrangeiro na saúde

AGU considera inconstitucional regra que permite capital estrangeiro na saúde


Publicado em: 06/04/2015 18:46 | Autor: 337

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A constitucionalidade da Lei 13.097, sancionada em 20 de janeiro de 2015 pela presidente Dilma Rousseff, que “autoriza a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas de capital estrangeiro na assistência à saúde”, é mais um ponto de discórdia entre entidades do movimento sanitário e o governo. A regra foi considerada inconstitucional por setores dentro do próprio governo. Documento sigiloso da Advocacia-Geral da União, obtido pelo jornal ‘Estado’, enviado às vésperas da sanção presidencial, recomendou o veto parcial do artigo 142, que prevê a permissão da entrada de capital estrangeiro para hospitais gerais e especializados, policlínicas, clínica geral e especializada.

Originariamente, a Medida Provisória nº 656, de 2014, tratava de três assuntos: direito tributário, direito financeiro e direito civil. O Projeto de Conversão nº 18/14 introduziu mais 29 assuntos diferentes. A Câmara e o Senado aprovaram a proposta em 17 de dezembro de 2014, sem que os princípios de universalidade, equidade e integralidade que norteiam o Sistema Único de Saúde em nenhum momento fossem discutidos.

“Considerando-se que a amplitude do dispositivo anularia a norma geral de vedação, sugere-se o veto”, informa o documento da AGU, encaminhado dia 15 de dezembro, portanto, antes da aprovação pelo Congresso Nacional, para a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Para autores do parecer, da forma como estava previsto, o artigo ampliaria de forma significativa a possibilidade de entrada de capital internacional no setor, algo proibido na Constituição Federal, quando o investimento deveria ocorrer apenas em casos excepcionais, como para doações de organismos internacionais ou pesquisas.

“O dispositivo constitucional prevê, de fato, vedação expressa à participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País. A ressalva aos casos previstos em lei deve, portanto, ser entendida como alusão a casos excepcionais, que justifiquem objetivamente a abertura ao capital estrangeiro das ações e serviços de saúde previstos constitucionalmente”, defende o parecer.

O ministro da Saúde, Arthur Chioro, veio a público em defesa da nova regra. Numa reunião do Conselho Nacional de Saúde, ele atribuiu as reações contrárias ao desconhecimento e falta de capacidade de análise a fundo da matéria” e ao “antagonismo político inadequado”. Chioro argumentou que a lei aprovada corrige uma distorção já existente no mercado, melhora a concorrência e está longe de significar uma ameaça para o Sistema Único de Saúde. “A abertura de capital já havia acontecido. E de forma assimétrica”, havia dito.

Segundo a especialista Isabela Soares Santos, no artigo Até quando aceitaremos isso, cara pálida? a abertura representa as forças que intencionam que o SUS sirva ao melhor lucro do setor privado e ao capital internacional, o qual é privado. Atualmente, o capital estrangeiro está restrito aos planos de saúde, seguradoras e farmácias.

“Por mais problemas que o SUS apresente e por mais imbricado que esteja com o setor privado, ele ainda é um sistema de saúde de interesse público para os mais de 200 milhões de brasileiros. Um deles é viabilizar a organização e a gestão do sistema. Imaginem como seria organizar a atenção à saúde em mais de 5 mil municípios, mais de 44 mil postos e centros de saúde, cerca de 41 mil policlínicas e clínicas especializadas, 20 mil estabelecimentos de serviços de apoio à diagnose e terapia, além dos mais de 6 mil hospitais e mil prontos-socorros, para mais de 200 milhões de brasileiros?”.

Ainda segundo Isabela, um sistema de saúde público também é fundamental para existir e serem estabelecidas regras mínimas de segurança e qualidade dos serviços realizados e, ainda, dispor de recursos físicos e humanos que oferecem os serviços. “Isso não pode ser previsto por cada empresa de saúde, seja um estabelecimento ou empresa de plano privado; tem de ser realizado por entidade que represente o interesse coletivo e público, e não o interesse privado do lucro. Então, só é possível ser realizado pelo Estado”.

“Com a possibilidade do capital estrangeiro ou empresas estrangeiras possuírem hospitais e clínicas – inclusive filantrópicas, podendo atuar de forma complementar no SUS – ocorrerá uma apropriação do fundo público brasileiro, representando mais um passo rumo à privatização e desmonte do SUS. Vale dizer, as empresas estrangeiras e o capital externo na saúde sequer estarão sujeitas à autorização e fiscalização do SUS!”, afirma.

“A abertura ao investimento internacional, sem dúvida, favorece a ampliação do comércio de planos e seguros privados, consolida o sentido da mercantilização da saúde e de quebra ainda fragiliza o princípio básico da saúde como direito de cidadania decompondo o caráter público do SUS. Os governos, nos três níveis federativos, têm atendido aos interesses da acumulação privada de capital na saúde de diversos modos. Talvez o mais grave seja o recuo das prerrogativas de intervenção estatal sobre o “mercado”, aliado à continuidade e expansão de vantagens fiscais e subsídios direcionados aos seus agentes”.

A diretoria da CNTS avalia as medidas judiciais e ações políticas cabíveis e necessárias para evitar mais este ataque ao SUS, como sistema universal e integral definido na Constituição de 1988.

A Lei 13.097 ofende a Constituição Federal no artigo 199 §3º: “É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei”; e viola os artigos 196 e 197, que classificam a saúde como garantia e direito constitucional a ser assegurado e fiscalizado pelo Estado. Também não prevê autorização e fiscalização dos serviços estrangeiros pelo SUS, resultando em nova afronta constitucional (artigo 200, inciso I).

Ofende a Lei nº 8.080/90 no artigo 23: É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo através de doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos.

§1° Em qualquer caso é obrigatória a autorização do órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), submetendo-se a seu controle as atividades que forem desenvolvidas e os instrumentos que forem firmados.

Ofende a Lei Complementar nº 895 de 1998, que determina que cada lei deve abordar apenas um assunto. Ofende a Resolução nº 1, de 2002, do Congresso Nacional, que dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso Nacional, das medidas provisórias, quanto à tramitação.

 

Fonte: CNTS