“Saúde é um bem coletivo, ou todos temos ou ninguém a tem. Quando a saúde de alguém é lesada, a saúde de todas as demais pessoas corre risco. Somente uma proteção universal é capaz de produzir uma proteção individual”, sustentou o subprocurador-geral da República, Humberto Medeiros, ao defender a manutenção do sistema universalizado de saúde, adotado pelo Brasil a partir da Constituição Federal de 1988. Medeiros, assim como a maioria absoluta dos debatedores, manifestou posição contrária durante audiência pública sobre “diferença de classe“ em internação pelo Sistema Único de Saúde, realizada nesta segunda-feira, 26 de maio, pelo Supremo Tribunal Federal.
A discussão foi convocada pelo relator do recurso, ministro Dias Toffoli, para ouvir especialistas, representantes do poder público e da sociedade civil, e obter informações técnicas, administrativas, políticas, econômicas e jurídicas sobre a chamada “diferença de classe” no internamento hospitalar pelo SUS, com a possibilidade de melhoria no tipo de acomodação do paciente e a contratação de profissional de sua preferência mediante o pagamento da respectiva diferença.
A audiência teve como finalidade discutir a possibilidade de melhoria nas acomodações em internação e contratação de profissional da preferência por meio do pagamento da diferença pelo paciente, tema constante do Recurso Extraordinário (RE) 581488, com repercussão geral reconhecida, em que se discute ação civil pública na qual o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul - CREMERS procura reverter decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), segundo o qual esse tipo de pagamento confere tratamento diferenciado a pacientes dentro de um sistema que prevê acesso universal e igualitário.
O ministro da Saúde, Arthur Chioro, avaliou a diferença no acesso ao SUS como “medida ineficiente e eticamente inadequada, que permite o uso por poucos de recursos destinados a todos”. Para a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro Souza, com a medida, “corremos o risco de retornar ao período anterior ao SUS, onde quem não possuía a carteirinha do Inamps e não tinha renda era considerado indigente sanitário, cidadão de segunda classe e sem direitos”.
Para o presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde - Conass, Wilson Duarte Alecrim, a diferença no acesso “configura transgressão aos princípios constitucionais da universalidade, igualdade de acesso, promove a desordem administrativa e confere supremacia ao interesse privado em detrimento do interesse público”. Também o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde - Conasems, Antônio Carlos Figueiredo Nardi, condenou a medida. “O SUS, mesmo com todas as dificuldades, tem sido o maior instrumento de resgate da dívida social brasileira, garantindo inclusão social de forma universal e participativa, respeitando os princípios da igualdade e da equidade”.
A CNTS vem denunciando há tempos a medida, também denominada como “dupla porta”, pelos privilégios de uns poucos em detrimento da discriminação da maioria dos usuários dos serviços públicos de saúde. “A dupla porta é inconstitucional e só favorece aos planos de saúde. Se as empresas de planos de saúde e seguradoras desejam ampliar e melhorar seus serviços que façam investimentos para isso. Não é justo privar a população que se utiliza do SUS, reduzindo ainda mais o atendimento, para atender os interesses desses grupos privados, que arrecadam altas somas de seus segurados e querem retribuir usando recursos da comunidade. A dupla porta é inconstitucional”, afirma o presidente da Confederação, José Lião de Almeida.
Segundo o ministro Dias Toffoli, a questão trazida ao STF, além de apresentar relevância jurídica e social, envolve importantes interesses jurídicos, como o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde e a complementaridade da participação do setor privado na saúde pública. O debate, assinalou, “reclama análise que ultrapassa os limites do estritamente jurídico”, demandando uma abordagem técnica sobre, por exemplo, o impacto administrativo e econômico da “diferença de classe” e do seu efeito nos procedimentos de triagem e no acesso ao SUS.
Somente os representantes do Cremers, das Santas Casas e da Federação Nacional dos Estabelecimentos de Serviços de Saúde – FENAESS defenderam a “diferença de classe”. A seguir, publicamos as matérias divulgadas no portal do STF.