O trabalho e a produção da riqueza ocorrem numa conjuntura em que os recursos naturais e a força de trabalho, representada pelos trabalhadores, são cobrados ou apropriados pelo capital que organiza os processos produtivos nos setores primário, secundário e terciário.
“Essa é a montagem clássica da economia em que estão formados os processos produtivos”, explicou a pesquisadora Elizabeth Costa Dias, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em debate na ENSP, dia 8 de abril, para discutir a contribuição da atenção básica para a atenção integral à saúde do trabalhador.
A pesquisadora comparou essa relação existente hoje a uma caixa-preta. “Sabemos exatamente o que sai e o que entra. No entanto, não temos ideia de como se conforma a organização dos processos produtivos. Além disso, muitas vezes esse não é um conhecimento facilmente disponível. Assim, muitas vezes fica difícil intervir e modificá-lo.”
Segundo ela, a caminhada da saúde do trabalhador é um sonho que vem sendo construído ao longo dos anos por muitas pessoas. Sua apresentação, realizada na aula inaugural do curso de especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, abordou o papel do Sistema Único de Saúde na proteção social aos trabalhadores e o compromisso desse sistema na construção da saúde referenciada pela Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora.
É preciso não esquecer, ressaltou a palestrante, que desses processos produtivos saem o lucro, a renda do trabalhador e os aspectos positivos do trabalho, como a construção da subjetividade, a inclusão social e, também, a saúde dos trabalhadores.
“Acredito que este seja um aspecto ao qual nós, profissionais da saúde do trabalhador, devamos estar cada vez mais atentos. Quando falamos da relação trabalho-saúde-ambiente, muitas vezes temos dificuldade de nos libertarmos da ideia de trabalho que produz morte, adoecimento e degradação ambiental. Tudo isso existe e é verdade. Entretanto, devemos lembrar as dimensões positivas do trabalho”, alertou Elizabeth.
Segundo ela, em determinados momentos históricos – e particularmente neste –, o sonho do capital é automatizar todos os processos e se livrar do trabalhador. Porém, os profissionais de saúde entendem que esse trabalho precisa ser preservado. “Isso não significa defender qualquer trabalho, mas sim um que viabilize e construa saúde. Desentranhar a dimensão positiva do trabalho é um dos atuais desafios dos profissionais em questão”, observou. “A intensificação do trabalho é uma marca do tempo em que vivemos”, disse Elizabeth.
Os profissionais de saúde de uma maneira muito particular, alertou, devem se enxergar no olho do furacão. De acordo com a pesquisadora, isso ampliará a responsabilidade e incitará uma necessidade de buscar o desenvolvimento de alternativas estratégicas para lidar com o momento histórico atual.
Participaram da mesa de abertura a coordenadora do curso de especialização e pesquisadora do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP), Maria Blandina Marques dos Santos; o coordenador do Centro, Marcos Menezes; e a coordenadora da especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana na modalidade a distância, Rita Mattos.
A palestrante indagou como as mudanças no mundo do trabalho repercutem ou modificam o perfil dos trabalhadores e determinam suas condições de vida-saúde-doença. Para ela, a mudança do perfil populacional dos trabalhadores é muito clara e está anunciada desde o Censo de 2010.
A grande questão, segundo Elizabeth, é que as políticas públicas não a acompanharam. “O grande contingente de força de trabalho vai dos 20 aos 50 anos. No entanto, a idade média de trabalho da pirâmide populacional está se alongando e precisamos saber o que fazer com os nossos trabalhadores envelhecidos que querem continuar trabalhando, mas já apresentam problemas próprios do avanço da idade.
Tão grave quanto o rápido afunilamento da pirâmide é o enxugamento da base. Se o comportamento da pirâmide se mantiver, quem vai sustentar os trabalhadores atuais no seu envelhecimento?”, questionou a pesquisadora.
Saúde do trabalhador e a atenção básica - Hoje, no Brasil, existem cerca de 93 milhões da população em idade ativa. Destes, uma média de 54 milhões estão empregados e 32 milhões têm carteira assinada. Quase 54% da população ativa é contribuinte da previdência social e os outros 46,5% não são, ou seja, mais de 43 milhões de não contribuintes. “O que isso significa em termos de garantias da saúde do trabalhador? Essa é uma preocupação, principalmente pelo grande grupo de trabalhadores desassistidos.”
Além disso, segundo Elizabeth, os trabalhadores vivem, adoecem e morrem de modo compartilhado com o conjunto da população, em um dado tempo, lugar e classe social, porém, diferenciado, dependendo do trabalho que fazem ou de sua inserção nos processos produtivos.
“Temos, no trabalho, um definidor da relação trabalho-saúde-doença. Essa relação deve ser vista em quatro dimensões: trabalho como determinante da saúde; saúde como condição de trabalho; trabalho como causa de doença; e doença como impedimento ao trabalho”, discriminou.
“Cada uma das categorias citadas tem expressões na vida moderna, mas infelizmente não sabemos responder sobre a causa do adoecimento e morte dos trabalhadores brasileiros. Nossas políticas públicas são definidas em uma correlação de forças. Por isso, devemos ficar felizes com os avanços, mas sabendo que são completamente desiguais”, disse ela.
Ainda sobre os dados da população em idade ativa, 50% dos trabalhadores atuam no campo informal, e o único equipamento do Estado que chega a esses trabalhadores é o SUS. Elizabeth ressaltou que, dentro do SUS, muitas vezes só o agente comunitário de saúde entra neste ambiente. “Não existe outra autoridade sanitária no território capaz disso. Precisamos de tais trabalhadores de saúde para desvelar esta realidade”, disse ela.
No encerramento, a pesquisadora disse que a luta pela saúde do trabalhador tem raízes históricas e citou o Cesteh/ENSP como importante ator desse processo. Segundo ela, o desafio permanece. “A nossa realidade é de um exercício profissional comprometido com os trabalhadores, independente do referencial teórico, ético e moral.
Portanto, precisamos depurar o que há de bom em cada uma das ações para chegarmos ao ideal.” Para Elizabeth, o DNA da saúde do trabalhador envolve a compreensão da determinação social do processo saúde-doença; o compromisso com o trabalhador que é sujeito da sua saúde na perspectiva da participação e controle social; a indissociabilidade entre as práticas preventivas-curativas com a primazia da prevenção; e o enfoque transversal das políticas e práticas de saúde intra e intersetoriais.
Fonte: Assessoria Sateal com CNTS