Márcio Pochmann*
Desde a transição da sociedade agrária para a urbana e industrial, iniciada na década de 1930, aos dias de hoje, o Brasil conheceu quatro distintas recessões econômicas, com impactos decisivos sobre os direitos sociais e trabalhistas. De todas, constata-se que em duas delas houve o sentido geral de reação organizada da sociedade que permitiu a ampliação dos direitos da classe trabalhadora, enquanto em apenas uma percebeu-se o retrocesso.
Na atual recessão, os direitos sociais e trabalhistas voltaram a ser ameaçados, exigindo resposta firme e consistente do conjunto dos trabalhadores. Na grande recessão do início da década de 1930, por exemplo, o envolvimento dos trabalhadores se mostrou fundamental para a difusão de uma diversificada e heterogênea legislação social e trabalhista. Com isso, somente no ano de 1943, com a implementação da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, os trabalhadores urbanos passaram a deter inéditos direitos sociais e trabalhistas.
Na sequência, a grave recessão do início dos anos de 1980 descortinou uma nova etapa de lutas dos trabalhadores voltada para a proteção das ocupações, bem como a redução da jornada de trabalho, entre outras reivindicações. O resultado disso foi a aprovação pela Constituição Federal de 1988 do novo patamar dos direitos sociais e trabalhistas. Dois anos depois, contudo, a recessão do início da década de 1990 implicou retrocesso aos direitos da classe trabalhadora. Com a adoção do receituário neoliberal, o objetivo de enfraquecer o mundo do trabalho foi alcançado, mostrando-se fundamental para evitar a reação organizada da sociedade ao rebaixamento das condições e relações de trabalho.
Desde o ano de 2015 que o Brasil convive com a quarta recessão econômica, cujos efeitos têm sido a ampliação do sofrimento humano, sobretudo dos trabalhadores que passaram a ter rendimento menor e ocupações a menos. O desemprego generalizado e a pobreza crescente apontam para direção inversa à verificada nos anos 2000.
Tal como nos governos neoliberais durante os anos de 1990, a velha cantilena da redução dos direitos sociais e trabalhistas voltou a ser entoada pelo governo sob o coro dos patrões. Não apenas a nova lei da terceirização, como a simplificação trabalhista propostas apontam para a uberização das relações de trabalho no Brasil.
O propósito atual de enxugar os direitos sociais e trabalhistas assenta-se na ideia de que quanto menor o custo de contratação do trabalho pelo empregador, maior a possibilidade de elevar a competitividade da empresa, permitindo, na sequência, elevar o nível de emprego. Mas ao mesmo tempo em que o emprego da mão de obra é custo para o patrão, também é o rendimento para os ocupados.
Com menor rendimento e maior flexibilidade contratual, os trabalhadores consomem menos ainda, fazendo contrair, em consequência, o consumo. E, por sua vez, a provocação da queda da demanda na economia como um todo, fazendo aumentar o desemprego da força de trabalho. Retrocesso em cima de retrocessos.
(*) Economista, ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - Ipea. Artigo publicado originalmente na Rede Brasil Atual em 13/08/2016.