Risco de morte: Médicos, enfermeiros e técnicos que trabalham exaustos

Risco de morte: Médicos, enfermeiros e técnicos que trabalham exaustos


Publicado em: 14/03/2016 19:48 | Autor: 337

Whatsapp

 

Trabalhar sem parar causa danos não somente ao trabalhador, mas às pessoas que os cercam. A jornada exaustiva de trabalho, além de ser uma das características que podem configurar na analogia ao trabalho escravo, também é uma das principais causas de acidentes de trabalho. Se o profissional exausto for da área de saúde, cujas atividades envolvem pacientes, os acidentes podem significar até mesmo a morte de terceiros.

Os profissionais da saúde – que se dedicam a cuidar do bem estar das pessoas, acompanhar o crescimento das crianças e procurar amenizar os problemas que chegam junto com o envelhecimento – são os que mais procuram os serviços do Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (Cerest) Maceió, que monitora 28 cidades de Alagoas.

Muitos desses médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos se submetem a uma carga horária exaustiva para poder dar conta de todo o trabalho que se propuseram a cumprir. Mas, e a saúde desses profissionais, como fica?

De acordo com Flaviana Costa, fisioterapeuta e coordenadora de Programas Estratégicos da Saúde do Trabalhador, as principais consequências da jornada exaustiva de trabalho são a Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e os Distúrbios Osteo musculares Relacionados ao Trabalho (Dort), a LER/Dort; e problemas mentais.

“São sintomas relacionados à dupla jornada. Um trabalhador cansado está mais sujeito a erros e acidentes. Nosso corpo não é uma máquina e precisamos descansar, mas isso não ocorre em muitos casos. Duplicam a jornada sem descansar, nem o corpo nem a mente. Não existe nenhum trabalhador, por melhor que ele seja, que consiga executar suas atividades laborais com qualidade se estiver adoecido. Uma empresa que cuida de seu trabalhador, o mantém produtivo por muito mais tempo”, afirma Flaviana.

Essa situação é mais grave se o profissional em questão for um médico ou enfermeiro. Um erro, nesses casos, por menor que seja, pode significar a morte de uma pessoa. Dois fatos ocorridos há alguns anos chamaram a atenção do país. Em 2010, em São Paulo, uma auxiliar de enfermagem injetou vaselina ao invés de soro em uma paciente de 12 anos. No ano de 2012, no Rio de Janeiro, uma técnica de enfermagem injetou sopa ao invés do medicamento prescrito em uma paciente de 88 anos.

Ambos os casos demonstram falta de atenção, tanto das envolvidas diretamente quanto indiretamente. Os frascos de vaselina e soro do caso de São Paulo eram, pelo menos segundo reportagens da época, parecidos e estavam no mesmo local. E porque os frascos estavam juntos se são parecidos? No caso fluminense, a técnica em enfermagem não teria checado o conteúdo da seringa que injetou na senhora de 88 anos. Porque alguém encheria uma injeção com sopa? Talvez para alimentar alguém que tenha dificuldades em abrir a boca. O fato é que ambas as rotinas parecem ter sido executadas no automático, comportamento típico de trabalhadores cansados.

Trabalhadores sofrem problemas emocionais

A psicóloga Karoline Félix, que também atende no Cerest, explicou que atende muitos profissionais da área de saúde em Maceió, que apresentam problemas emocionais por conta da carga horária exaustiva de trabalho.

“Os sintomas dos pacientes que nos procuram variam muito de pessoa para pessoa. Os mais comuns são a alteração do ciclo vigília-sono, irritabilidade, ansiedade, isolamento e mudanças de humor. A persistência desses sintomas pode levar ao desenvolvimento de psicopatologias mais graves, como a depressão ou a Síndrome de Burnout, muito comum entre os profissionais da saúde”, afirma a psicóloga.

Karoline Félix explica ainda que a Síndrome de Burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso.

“A depressão é um estado que pode ser episódico ou ainda se manifestar em diversos graus, de leve a profundo. A Síndrome de Burnout é um estado de fadiga crônica que é provocado por uma situação de estresse constante. Seus sintomas iniciais lembram a depressão, tais como agressividade, isolamento, mudanças de humor, irritabilidade, dificuldade de atenção e concentração, falha da memória, ansiedade, tristeza, pessimismo, baixa autoestima, sentimentos negativos, desconfiança e até paranoia”, explica.

“Além dos sintomas emocionais, a síndrome também apresenta manifestações físicas como dor de cabeça, enxaqueca, cansaço, sudorese, palpitação, pressão alta, dores musculares, insônia, asma, distúrbios gastrointestinais, respiratórios e cardiovasculares. O tratamento inclui psicoterapia, medicamentos e o mais importante que é a mudança no estilo de vida, adotar hábitos saudáveis como atividade física regular, alimentação balanceada e vida social ativa”, continua a psicóloga.

Entre as principais queixas dos profissionais da área de saúde atendidos por Karoline Félix estão, além da carga horária exaustiva, a falta de condições de trabalho nos hospitais e postos de saúde, principalmente na rede pública.

“No serviço público existe uma pressão por produtividade que, infelizmente, não é viável. Mas não pela falta de vontade do profissional, e sim pela falta de equipamentos e condições mínimas que garantam a sobrevivência dos pacientes atendidos por esses profissionais da saúde”, explica a psicóloga.

Porém, não é só na rede pública de saúde que esses problemas são encontrados.

“Já nas unidades de saúde particulares, a maior fonte de adoecimento dos profissionais são os processos organizacionais de trabalho, falta de valorização, baixa remuneração, o que obriga a esses médicos e enfermeiros a terem três ou mais empregos”.

E os pacientes tratados por esses profissionais que sofrem com a exaustão? Correm algum risco? Para a psicóloga Karoline Félix a resposta é “sim”.

“Com certeza! A depressão, a Síndrome de Burnout ou qualquer outra psicopatologia afetam a capacidade de concentração e discernimento do profissional, principalmente quando se está em situação de estresse. Isso prejudica o desempenho nas atividades e não é raro encontrar profissionais com muita experiência que cometem erros primários em virtude do problema emocional em que se encontra”, afirma.

Tratamento deve unir médicos e psicólogos

Para a psicóloga Karoline Félix, os profissionais da saúde que sofrem distúrbios psicológicos por conta da carga horária de trabalho exaustiva, devem ser tratados em parceria com um médico e um psicólogo.

“O principal fator para o sucesso, que garante a evolução do tratamento, é o próprio paciente. Ele precisa ter coragem para procurar ajuda e se engajar no tratamento, porque a melhora da qualidade de vida se dará dentro e fora do ambiente de trabalho”, explica Karoline.

Porém, a profissional comenta que é muito difícil para alguém que trabalha na área de saúde, procurar ajuda psicológica.

“A grande maioria omite os sintomas nos estágios iniciais e só procura tratamento quando há algum comprometimento severo, seja físico ou psicológico e crônico”, disse.

Caso o transtorno evolua para um grau mais grave e incapacitante, é hora de parar.

“Quando há alguma ruptura com a realidade, os profissionais da saúde devem parar de trabalhar. São casos raros, e a recuperação depende do grau de comprometimento de cada paciente”, alerta a psicóloga.

 

Fonte: Tribuna Independente