“Quando buscamos um modelo de assistência humanizado, torna-se imprescindível observarmos a qualidade na formação como fator preponderante para a obtenção de práticas seguras e que realmente resultem na melhoria e recuperação da saúde”. Este foi um dos argumentos constantes da denúncia feita pela CNTS aos ministérios da Educação e da Saúde e à Procuradoria Geral da República (PGR) e que levaram à fiscalização dos cursos de graduação a distância em enfermagem pelo Cofen. O resultado só veio confirmar a preocupação da CNTS: a má formação do Ensino a Distância (EaD) coloca em risco a saúde da sociedade.
Nos ofícios enviados aos ministros da Educação, Henrique Paim (nº 44, de 14/04/14) e da Saúde, Arthur Chioro (nº 47, de 09/06/14), e na petição encaminhada ao procurador-geral, Rodrigo Janot (de 09/06/14), a Confederação demonstra sua “preocupação em razão das especificidades que redundam a área da saúde, não sendo possível a formação de profissionais por meio inadequados para tanto, até porque a atividade do cuidar ultrapassa as necessidades do capitalismo e a vida consiste no maior bem da humanidade, devendo ser preservada a todo custo”.
A CNTS reconhece que a modalidade EaD é um dos grande motes do mundo moderno, cuja premissa maior consiste na inclusão social, ou seja, a possibilidade de formação técnica e superior, atendendo as necessidades de um segmento significativo da população que antes ficara alijada do processo de formação.
Porém, “a modalidade de ensino tradicional na área de enfermagem, ou seja, o modelo presencial, sobretudo no nível médio (técnico de enfermagem), não tem atendido de forma satisfatória as exigências da assistência à saúde em razão de vários elementos agregados, dentre os quais destaca-se a má qualidade na formação e a precariedade nas condições de trabalho”.
A CNTS cita que a mídia nacional tem noticiado eventos com resultados graves, inclusive morte, em decorrência da inobservância de preceitos básicos na execução dos serviços de enfermagem, o que convida à reflexão acerca do modelo adotado na formação desses profissionais. E cobra a fiscalização e acompanhamento mais rigoroso nas instituições formadoras.
Ressalta, ainda, que, no ensino em saúde, por se tratar de ciências humanas, a teoria não pode ser dissociada da prática, sobretudo na área da enfermagem. “O estágio, além de possibilitar ao futuro profissional a prática real das atividades inerentes à profissão, propicia as relações interpessoais entre docentes e alunos, valorizando-os enquanto seres humanos, indivíduos detentores de sentimentos que o mundo virtual não poderá substituir”.
Falta fiscalização - Em defesa da assistência da enfermagem de forma humanizada e qualificada, com base no que preconiza os princípios do SUS, a CNTS reivindicou aos órgãos públicos a instauração de procedimentos administrativos e judiciais no sentido de proteger os interesses sociais e o cancelamento de autorização ou reconhecimento de cursos por meio do modelo EaD. E também a ampla fiscalização nas instituições formadoras, “de modo a garantir que os futuros formandos sejam detentores de fato das condições necessárias para o exercício digno da profissão”.
Por parte do Ministério da Educação, a diretora de Regulação da Educação Superior, Maria Rosa Loula (Ofício 1.545-DIREG/SERES/MEC, de 06/05/14), argumentou estarem os cursos a distância amparados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei 9.394/1996), que incentiva a modalidade, e no Decreto 5.622/2005, que dispõe sobre a autonomia das instituições formadoras e os critérios para autorização de funcionamento.
Informou, ainda, que “os cursos de enfermagem oferecidos na modalidade a distância também passam por processos regulatórios, no âmbito dos quais são verificados requisitos diversos, inclusive a existência de infraestrutura, estágio curricular supervisionado, corpo de docentes e de tutores, e outros aspectos previstos no instrumento de avaliação” e que “o Decreto 5.773/2006 também prevê a possibilidade de instauração de processo de supervisão em desfavor de instituições ou cursos irregulares ou deficientes”. E concluiu que, “existindo indícios de irregularidades ou deficiências específicas em determinados cursos de enfermagem a distância”, a CNTS poderia “encaminhar representação à Diretoria de Supervisão” da Secretaria.
Denúncia – Ciente da péssima qualidade de muitos dos cursos oferecidos e diante da resposta do Ministério da Educação, a CNTS encaminhou a denúncia ao Ministério Público Federal que, por despacho da Procuradoria Regional do Distrito Federal solicitou “posicionamento oficial do Cofen, tomando por base ofício da Central (Confederação) Nacional dos Trabalhadores na Saúde sobre a eficiência da atuação fiscalizatória desenvolvida, no âmbito dos cursos de Enfermagem, pelo MEC nas Instituições de Ensino Superior; a eventual necessidade de regulamentação complementar do Ensino Superior da Enfermagem; a adequabilidade da aplicação nas áreas da saúde, da modalidade EAD”.
“A situação encontrada é estarrecedora”. Este foi o resultado da operação EaD, realizada pelo Cofen “para verificar in loco as condições de formação oferecidas pelos cursos de graduação em Enfermagem a distância”. Segundo o Conselho, a operação, concluída na segunda semana de julho deste ano, envolveu 118 fiscais e 315 polos de apoio presencial foram visitados.
O relatório foi encaminhado pelo Cofen ao Ministério Público Federal, que abriu inquérito para apurar a situação. O documento foi entregue também ao ministro da Saúde, Arthur Chioro, ao Ministério da Educação, ao Conselho Nacional de Saúde, ao Conselho Nacional de Educação, ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa e ao Congresso Nacional, para conhecimento e providências. Em dois estados, os relatórios foram encaminhados também à Polícia Federal para apurar possíveis práticas de crimes.
Entre as irregularidades apontadas pelo Cofen estão instituições “sem laboratórios, biblioteca ou condições mínimas de apoio; a maioria dos polos se localiza em municípios diminutos, que não oferecem sequer condições para a prática de estágio supervisionado; e faltam laboratórios multidisciplinares para disciplinas básicas e específicas de anatomia, bioquímica, fisiologia, microbiologia, imunologia, parasitologia, entre outros, além de equipamentos como microscópios, estufas, fotômetros e vidrarias, necessários para as aulas práticas exigidas por lei”.
A fiscalização constatou, ainda segundo o Cofen, “até mesmo a oferta de cursos não credenciados no Ministério da Educação (e-MEC)”. As aulas práticas, de acordo com o relatório, “representam apenas 7,79% da carga horária total dos cursos EaD, em desacordo ao que preceituam as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem, que determinam que as atividades práticas devam permear todo o processo formativo do enfermeiro”. A legislação exige carga horária mínima de 4 mil horas e 5 anos de integralização. Relatora da operação EaD, a conselheira federal Dorisdaia de Humerez conclui que “a formação representa uma ameaça à saúde coletiva”.
Para o presidente do Cofen, Manoel Neri, os cursos de graduação em Enfermagem a distância não garantem segurança e qualidade na formação, nem tampouco condições mínimas legalmente exigidas para a formação do profissional enfermeiro. “Os danos ocasionados por imperícia, negligência e imprudência na assistência à população serão ainda maiores do que já ocorre com a formação nos cursos presenciais”, afirma.
“Estamos gratificados em saber que nossa preocupação foi entendida e acatada pelo Ministério Público Federal, resultando na fiscalização pelo Cofen e abertura de inquérito pelo Judiciário. Como o relatório foi entregue a órgãos do governo federal, responsáveis pela saúde e pela educação, aguardamos medidas legais e administrativas que venham corrigir esse grave problema, que resulta em assistência desqualificada e, até mesmo, temerosa, por colocar em risco a vida das pessoas”, avalia o presidente da CNTS, José Lião de Almeida.
Fonte: CNTS