Maceió/AL – O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas reuniu autoridades, representantes sindicais, empregadores e estudantes, na tarde desta segunda-feira, 5, no Hotel Jatiúca, para o seminário “Os Direitos Sociais nos 30 anos da Constituição”. Em comemoração ao aniversário de promulgação da Carta Magna, o evento trouxe nomes ligados à temática no país, que discutiram as conquistas obtidas ao longo de três décadas e os desafios para a manutenção de direitos.
Autoridades, representantes sindicais, empregadores e estudantes participaram do seminário (Fotos: Rafael Maia e Rafael Barreto)
Ao abrir o seminário, o procurador-chefe do MPT, Rafael Gazzaneo, destacou que a passagem dos 30 anos da Constituição deve ser motivo de comemoração. Gazzaneo lembrou que, após o período da ditadura militar, a Carta Magna proporcionou um cotidiano de convivência no país, a partir de um importante rol de direitos e garantias fundamentais do cidadão que assegura aos brasileiros o gozo pleno de um regime efetivamente democrático.
“É muito comum se ouvir referências de que a Constituição de 1988 teria distribuído direitos sociais de forma generosa, afirmação que não tem correspondência com a realidade. Na verdade, a Carta Magna foi generosa ao efetivamente se preocupar com a questão social, tendo, nesse sentido, alterado de forma profunda as políticas sociais em nosso país, que passou, a partir de então, a realmente se preocupar com ações inclusivas”, explicou.
Rafael Gazzaneo aproveitou a oportunidade para repudiar a declaração do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que, publicamente, denominou a ditadura militar de um “movimento”. Se houve movimento, disse Gazzaneo, foi um movimento de perseguição aos brasileiros que não concordaram com o Golpe de 1964. “Essa manifestação zomba, desrespeita as vítimas do arbítrio e a própria história brasileira”, afirmou Gazzaneo.
Procurador-chefe Rafael Gazzaneo afirmou que Constituição assegura aos brasileiros o gozo pleno de um regime efetivamente democrático
Necessidade de efetivação
A discussão sobre os 30 anos da constituição discorreu a partir de dois painéis. O primeiro painel, “Desafios contemporâneos para efetivação dos Direitos e Garantias Fundamentais”, trouxe, o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto; a procuradora do MPT no Mato Grosso e membro da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), Lys Cardoso; e o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em Alagoas, João Leite.
Leonardo Sakamoto iniciou o painel ao afirmar que o problema da Constituição Federal não é ela estar ultrapassada, mas o fato de ela nunca ter sido, efetivamente, colocada em prática. Para Sakamoto, a carta Magna é uma “boia de salvação”. “A constituição segue sendo uma boia de salvação a quem deseja uma sociedade mais justa, porém essa boia está na mira de quem quer reduzir o estado, que deveria priorizar os mais pobres para aumentar o estado que apoia e subsidia os mais ricos”, explicou.
O jornalista também salientou que há mais desafios a serem enfrentados, ao lembrar que, neste ano, o Brasil também comemorou 130 anos da abolição da escravização, mas não foi capaz de garantir a inserção dos trabalhadores escravizados como cidadãos, de fato. “A não abolição está presente cotidianamente não apenas na parcela negra de escravos contemporâneos, mas, também, por uma mulher negra que recebe muito menos que um homem branco pela mesma função”, lembrou Sakamoto, que também é conselheiro das Nações Unidas contra as piores formas de escravidão.
Para Leonardo Sakamoto, problema da Constituição Federal é ela nunca ter sido, efetivamente, colocada em prática
Superação de desafios
Na sequência, a procuradora do MPT Lys Cardoso destacou desafios que precisam ser superados, a exemplo da garantia de direitos básicos à população, a progressividade dos direitos sociais previstos na CF/88, o combate às formas degradantes de trabalho, a garantia do acesso à justiça, o cumprimento da função social da propriedade privada e a busca do pleno emprego e a relação de emprego protegida.
A procuradora lembrou que, por quase 400 anos, o Brasil se fundou no trabalho escravo, falou da luta dos órgãos envolvidos com a causa para a publicação da lista suja do trabalho escravo e criticou a reforma trabalhista, por causar um retrocesso às garantias previstas na Carta Magna. “O que falta para a Constituição de 88 é o reconhecimento de direitos. Antes de qualquer reforma proposta, o que de fato precisamos é que os direitos previstos na Constituição realmente saiam do papel”, disse Lys Cardoso.
Procuradora Lys Cardoso destacou desafios que precisam ser superados, a exemplo do combate às formas degradantes de trabalho
Avanços e realidade
O painel foi concluído pelo desembargador do TRT, João Leite, que apontou a necessidade de reconhecer os avanços conquistados com a promulgação da Constituição. Dentre os avanços, João Leite destacou normas infraconstitucionais que concretizaram vários direitos fundamentais presentes no texto constitucional, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Lei Maria da Penha e Estatuto do Idoso.
Apesar dos avanços, João Leite também apesentou aspectos da realidade no Brasil que ainda precisam de efetivação, ao lembrar dos números negativos do país em desigualdade social, distribuição de riquezas e, também, no desemprego – com baixa qualificação da parcela ativa, lembrou o desembargador. “O maior problema, hoje, é emprego ligado à área tecnológica. Daqui a dez, quinze, vinte anos, vão afunilar mais ainda os postos de trabalho, onde as pessoas têm que ter um domínio de conhecimento tecnológico. E essas gerações que estão chegando e não tiverem esse preparo, o que vai ser delas?”, indagou o desembargador.
João Leite destacou normas infraconstitucionais que concretizaram vários direitos fundamentais presentes no texto constitucional
Ameaça a direitos
Com o tema “Direitos Fundamentais Trabalhistas: Direitos Sociais em crise”, o segundo painel do seminário teve como integrantes a procuradora do Trabalho Sofia Vilela, o juiz do Trabalho Nilton Beltrão e o advogado Renato Saraiva. Juntos, eles fizeram uma avaliação de como os direitos sociais ganharam corpo na atual Constituição Federal, o desafio de garanti-los na atualidade e a perspectiva de sua transformação nos próximos anos.
Alagoana lotada no MPT em São Paulo, a procuradora Sofia Vilela facilitou o painel e foi a primeira a expor sua apresentação. Ela lamentou a mudança de paradigma no trato com os direitos sociais, que, antes baseava-se em avanços e, hoje, resume-se à manutenção dos existentes. “Em alguns casos, o Ministério Público do Trabalho se vê obrigado a fazer notas técnicas explicando o óbvio: que não é possível negociais direitos adquiridos”, disse.
“Pelo menos até então, nós temos uma constituição forte, que nos dá respaldo para atuação; há tratados internacionais firmados, permitindo um controle não só de constitucionalidade, mas também o de convencionalidade; e contamos com a atuação da sociedade civil organizada, que, na sua mobilização, conquistou os nossos direitos e, assim, lutará para eles não retrocederem, para eles evoluírem”, defendeu a procuradora do MPT.
Procuradora Sofia Vilela lamentou mudança de paradigma no trato com os direitos sociais, que, hoje, resume-se à manutenção dos existentes
Vedação ao retrocesso
O presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 19º Região (Amatra XIX), juiz Nilton Beltrão, falou sobre as bases de atuação do Judiciário Trabalhista e sua motivação para atuar na concretização dos direitos sociais.
“Porque hoje existe a deslegitimação performática, nome bonito para descrever a incompetência do legislador. O Poder Judiciário busca fazer uma democracia fundamentada na igualdade material, além de observar a própria natureza normativa da Constituição Federal”, salientou o magistrado do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região.
Beltrão também explanou sobre o princípio da vedação ao retrocesso social, que foi desconsiderado no processo de mudanças recentes da CLT: “Um direito social constitucionalmente consagrado opera como verdadeiro direito de defesa contra supressão ou extinção arbitrária desproporcional, ainda mais quando inexiste outros meios para assegurar um bem tão essencial. Esse princípio não foi observado na reforma trabalhista”.
Já o juiz do Trabalho Nilton Beltrão falou sobre as bases de atuação do Judiciário Trabalhista e sua motivação para atuar na concretização dos direitos sociais
Direitos do futuro
Fechando o seminário, o advogado Renato Saraiva, que foi procurador do Ministério Público do Trabalho por 16 anos, questionou ao público presente se a legislação brasileira estava preparada para garantir os direitos sociais que virão mediante as mudanças tecnológicas nos próximos anos e alcançarão o mundo laboral de modo significativo.
Fechando o seminário, o advogado Renato Saraiva questionou se a legislação brasileira estava preparada para garantir os direitos sociais que virão mediante as mudanças tecnológicas nos próximos anos
“Vejo pouca gente se preocupando com o futuro. O discurso de ordem está centrado na manutenção dos direitos sociais, porém vamos precisar nos atualizarmos em relação a outros direitos porque 85% das profissões do futuro sequer existem hoje. Temos de preparar essa mão de obra. Nós precisamos de educação. Estamos perdendo a oportunidade de sermos protagonistas de uma nova era, que virá do mesmo jeito, independentemente da nossa vontade”, disse o professor fundador da Rede CERS.
Público também participou das discussões a respeito dos direitos previstos na Carta Magna