Nos últimos 10 anos os governos brasileiros perdoaram R$ 176 bilhões em juros e multas de dívidas tributárias. O valor é praticamente o mesmo do rombo apontado pelo governo nas contas da Previdência do ano passado. É o que mostra o levantamento feito pela Receita Federal, por encomenda do jornal Estado de São Paulo.
Esses grandes “perdões” foram dados às empresas pelos governos através dos programas conhecidos como Refis, que permitem que empresas refinanciem dívidas com descontos sobre juros, multas e encargos. Muitas vezes os juros são maiores que o débito original. Em troca, o governo recebe uma parcela da dívida adiantada, mas abre mão de uma parcela do que ganharia com juros e multas.
O governo Temer, em 2017, aprovou cinco Refis diferentes, incluindo perdões para dívidas dos estados e municípios. Temer utilizou os Refis ano passado como moeda de troca para conquistar apoio, comprando deputados, e aprovar a reforma trabalhista e para ser inocentado das acusações de crime de corrupção.
O presidente já tinha vetado, na semana passada, o Refis para micro e pequenas empresas, mas um acordo foi costurado para a derrubada do veto assim que o Congresso voltar do recesso.
Receita Federal estuda mudança no código tributário - Pelo levantamento da Receita, a maior renúncia foi dada no Refis da Crise, lançado em dezembro de 2008, depois que as empresas brasileiras foram atingidas pelo impacto da crise financeira internacional. A renúncia fiscal foi de R$ 60 bilhões. Esse foi o programa com maior adesão até agora, com participação de 886 mil empresas e pessoas físicas. O Refis da Crise foi reprisado depois com mais quatro reaberturas do prazo de adesão entre 2013 e 2014.
Origem - O apelido de Refis nasceu do nome do primeiro parcelamento especial, feito há 18 anos, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, o programa foi destinado somente a empresas. De lá para cá, já foram 39 programas, segundo a Receita, inclusive para bancos e clubes de futebol.
Para o professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo - USP, Heleno Torres, os sucessivos Refis são consequência de uma cultura de litígio que motiva os contribuintes a questionarem os débitos na Justiça. “O sujeito, ciente de que o sistema de cobrança é muito falho, passa a ser um devedor e um litigante contumaz”, diz. “Entre um contribuinte que paga os tributos em dia e outro que logra êxito nesses parcelamentos, o último sai com vantagem competitiva. O primeiro, então, não vê nenhuma vantagem em ser um bom contribuinte”.
O Fisco calcula uma perda anual de R$ 18,6 bilhões de arrecadação decorrente de contribuintes que deixam de pagar suas obrigações tributárias à espera de um novo parcelamento. Para o secretário da Receita, Jorge Rachid, o grande número de parcelamentos provoca essa quebra da arrecadação futura. Segundo Rachid, há casos de mesmas empresas terem participado de até cinco parcelamentos. “O Fisco acaba recebendo mais no ano (com os pagamentos à vista), mas o que está fazendo é abrindo mão de arrecadação no ano seguinte. E o contribuinte apostando que no seguinte ele vai poder deixar de pagar”.
Estudo da OCDE sobre parcelamentos em 26 países mostrou que na maioria deles o período máximo de parcelamento é de 12 ou de 24 meses. Só em casos especiais, esse prazo é alongado. E nesses casos é exigida garantia. Não são conhecidos parcelamentos em prazos tão alongados como os brasileiros, que variam de 60 até 240 meses.
Metade de quem adere ao Refis fica inadimplente - Metade das empresas e pessoas físicas que aderem aos programas de parcelamento de débitos fica inadimplente com as parcelas e deixa de pagar impostos, segundo a Receita. A maioria dos contribuintes acaba sendo excluída por inadimplência e opta por incluir a dívida parcelada em outros programas. São os chamados “viciados dos Refis”.
Para a área técnica do Fisco a concessão reiterada de parcelamentos sob condições especiais criou uma acomodação nos contribuintes que não se preocupam mais em liquidar suas dívidas.
Pelos números da Receita, os contribuintes que aderiram a três parcelamentos especiais ou mais detêm uma dívida de mais de R$ 160 bilhões. Desse valor, 68,6% são dívidas de contribuintes sujeitos a acompanhamento diferenciado dos fiscais da Receita Federal.